A construção do Império Português foi uma descoberta do desconhecido, fruto de uma planificação cuidada. Duas vontades, por vezes antagónicas, animaram os governantes portugueses dos séculos XV e XVI.
Em primeiro lugar, desejava-se uma conquista militar do Norte de Africa, pela luta contra o inimigo muçulmano. A segunda vontade lusa, que pautou toda as missões de exploração do Atlântico, era a descoberta da passagem marítima para as Índias. A descoberta de riquezas no ultramar era a garantia para Portugal da independência face ao poderoso inimigo castelhano.
Planeamento cuidado, coragem cega
A rivalidade com Castela, presente durante todo o período da expansão marítima portuguesa, teve a sua máxima expressão no Sebastianismo. Lembremo-nos que o ponto de partida da expansão portuguesa foi a conquista de Ceuta em 1415, no reinado de D. João I, ilustre vencedor dos castelhanos na batalha de Aljubarrota. Esta conquista de 1415 foi tanto um ato para a expansão da Fé cristã como da procura de novas riquezas para uma nobreza ansiosa de feitos militares, que não podiam obter contra Castela. A riqueza perdida por D. Sebastião em Alcácer Quibir tinha sido fruto da determinação portuguesa, um equilíbrio entre o planeamento cuidado e a coragem cega, tão visível no rei Sebastião e que definiu toda a expansão marítima portuguesa.
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Desenvolvimento das técnicas de navegação
No início do século XV, as técnicas de navegação eram fruto de uma simbiose de culturas, quer mediterrânicas, quer do Norte da Europa. A originalidade portuguesa foi o de saber fazer evoluir as suas embarcações segundo as necessidades que tiveram de enfrentar durante toda a expansão. À Ciência herdada dos Árabes, dos Genoveses ou dos Catalães, presente nos conhecimentos astronómicos ou nos instrumentos de navegação, os portugueses juntaram os seus conhecimentos empíricos de construção naval que obtiveram à medida que a expansão chegava cada vez mais longe.
As primeiras embarcações, as barcas e os barinéis, foram essenciais nos primórdios da expansão marítima portuguesa. De porte relativamente pequeno, permitiram a exploração do Atlântico Norte, a descoberta dos Açores e da Madeira e a dobragem do Cabo Bojador em 1434. A posse e colonização das ilhas do Atlântico fora essencial para a etapa seguinte. As pequenas barcas permitiam adaptarem-se a condições de navegação ainda desconhecidas. Quando as condições de navegação já eram conhecidas, uma embarcação de maior porte como o barinel era privilegiada.
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Caravelas
Ao descerem para Sul, tiveram de enfrentar ventos contrários, presentes depois do Cabo Bojador. As velas latinas das barcas ou dos barinéis não permitiam navegar mais além eficazmente. O surgimento das caravelas, que sucederam às barcas, corresponde mais coisa menos coisa ao início da segunda fase da expansão portuguesa, por volta de 1440. Com D. Pedro, regente favorável ao comércio, começava uma nova etapa agora decididamente de exploração e de registo das descobertas, patente na cartografia desenvolvida por essa altura com a ajuda de mestres catalães.
A cartografia moderna, que nasceu verdadeiramente com as missões de exploração portuguesas, permitiu, a partir do empirismo próprio das descobertas, o registo científico. Ao confrontar, pela experiência, o saber dos Antigos, ao provar que podiam estar errados, abriu-se caminho para o que viria a ser o método científico. Esta autêntica revolução das mentes, a “Revolução geográfica”, foi permitida por uma cartografia fruto da experiência. Foi uma das maiores contribuições portuguesas ao Renascimento.
O conhecimento dos mares só foi possível com um barco capaz de os explorar: a caravela. Com maiores capacidades de navegação ou de transporte do que a barca sua antecessora, era adaptada a viagens mais longas. A sua grande força era a sua versatilidade, conferindo-lhe capacidade para navegar tanto em pleno oceano como junto à costa. A caravela era, portanto, ideal para as navegações rumo ao desconhecido, permitindo aos navegantes adaptarem-se consoante as situações que enfrentavam. O velame e a facilidade de manobra das caravelas permitiam a navegação à bolina, condição sine qua non para continuar a exploração mais a sul do Cabo Bojador.
Esta segunda fase da expansão portuguesa é relativamente curta, mas crucial. Com as caravelas, Portugal podia ira mais além, e atingiu de facto na altura o seu principal objetivo comercial: evitar os intermediários que transitavam pelo Saara. O estabelecimento da primeira feitoria em costa africana, a feitoria de Arguim, permitiu a Portugal desenvolver as trocas comerciais com os reinos africanos, para grande proveito luso. Mas a nobreza continuava em grande parte alheia a estes progressos.
Pausa na exploração
Uma nova etapa começa com a morte de D. Pedro. Foi a definição do regresso dos interesses senhoriais, mais interessados em conquistas no Norte de Africa do que na exploração comercial do Atlântico. Será, nesta fase de pausa no desenvolvimento do Império, a iniciativa privada que retomará a seu cargo a exploração marítima. A criação da grande feitoria e Castelo de São Jorge da Mina e consequente retorno do interesse régio vai marcar a transição para uma nova etapa da expansão portuguesa: a procura do caminho para a India, e a criação da Carreira epónima.
Surgimento das naus
Já conhecedores dos mares e Oceanos, Portugal não precisava mais das versáteis caravelas para desbravar o desconhecido. As caravelas ficavam destinadas às rotas africanas, adaptadas que eram aos ventos contrários. Doravante, com os ventos registados na cartografia e o conhecimento da “volta pelo largo”, podia-se navegar em naus, mais eficazes para o comércio de longo curso. Estes barcos, muito maiores e rápidos, mas menos manobráveis, eram mais adaptados à longa viagem que representava a Carreira da India, inaugurada por Vasco da Gama. Neles, e nos galeões, podia-se carregar um pesado armamento, adequado à política de expansão ofensiva se necessário, mas ainda mais à defesa dos interesses portugueses face à crescente pressão de outras nações mercantis europeias do final do século XVI.
Ao chegar à India, Portugal tinha conquistado para si um imenso império comercial. Os estabelecimentos portugueses no ultramar adaptavam-se às terras e povos encontrados. A capacidade de adaptação dos portugueses, visível na sua arte de navegar, também foi evidente com os povos encontrados, ora comerciando, ora conquistando, consoante as necessidades. As suas naus permitiam o intensificar das trocas comerciais, pela força se necessário.
Fim da expansão
A derradeira luta de D. Sebastião selou definitivamente as pretensões da Reconquista, e o início da desagregação do Império ultramarino. Portugal, pequeno país para um tão grande império, não teve os meios para se levantar da pesada derrota de Alcácer Quibir. Perdera a sua independência, e sofreria doravante a rude concorrência das grandes potências europeias, ávidas de também obterem uma parte do lucrativo comércio do ultramar. Portugal viveria agora obcecado com o seu glorioso passado, temendo o seu presente às mãos castelhanas e aterrorizado com o seu futuro, que a concorrência feroz das grandes potências europeias parecia escurecer…
Bibliografia
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- GARCIA, José Manuel. Relações interculturais da cartografia portuguesa com as cartografias mediterrânica e oriental. Ericeira: IX Curso de Verão do ICEA (2007).