Dom Sebastião
Dom Sebastião

O desastre de Sebastião

Por

A catástrofe portuguesa em Marrocos marcou o fim da expansão portuguesa. Uma derrota provocada pelo excesso de confiança de um rei, que se viu maior do que realmente era.

Portugal nunca foi, de facto, um país populoso. No auge do seu Império no século XVI, Portugal não tinha mais do que um milhão de almas. Esta falta de “mão de obra” por assim dizer impediu necessariamente a expansão portuguesa.

Na primeira metade do século XVI, as conquistas portuguesas do Norte de Africa estavam cada vez mais ameaçadas pela nova unidade política de Marrocos. De uma postura de conquista, Portugal passou, já no tempo de D. Manuel, a uma postura defensiva. Esta nova postura veio a confirmar-se ainda mais vincadamente no tempo de D. João III.

Conflito de interesses

Portugal estava em plena crise de crescimento. O país não tinha dimensão para segurar todo o seu espaço ultramarino, o que levou os soberanos a terem que fazer escolhas. Por um lado, a burguesia, favorável ao comércio e a expansão no Oriente, muito lucrativos. Por seu lado, a nobreza tradicional procurava honrarias, posse de terras novas e combater o infiel. Quando D. Sebastião assumiu o poder em 1568, este conflito de interesses que já vinha do século anterior era mais forte que nunca.

Os fidalgos, que tinham toda a atenção do monarca, ainda acreditavam que era possível conquistar facilmente Marrocos. Isto permitiria arrecadar para Portugal territórios férteis em cereais de que o país tanto precisava, assim como “uma acertada tentativa de reposição do equilíbrio geopolítico de Portugal no Atlântico face à hegemonia continental de Espanha” (cit. por Sales Loureiro, Macedo; Oliveira – História dos Descobrimentos e Expansão. p. 137).

Desastre da fidalguia

D. Sebastião teve assim que compor com a “voz da razão” representada pela burguesia e muitos dos seus conselheiros, e o seu próprio impulso guerreiro de combatente da Cristandade ao que não resistiu. Para D. Sebastião, era necessário a todo o custo deter o avanço otomano e a costa algarvia da pirataria muçulmana. O pedido de ajuda do antigo xerife Mulei Muhammad Al-Mutawakkil, deposto pelo seu tio com ajuda otomana deu-lhe um casus belli.

Com o fracasso de Alcácer-Quibir, Portugal deparou-se com uma crise sem precedentes, legada ao seu sucessor, o cardeal-rei D. Henrique. Uma coisa ficou certa: ficaria encerrada de vez a questão da conquista de Marrocos.

Dom Henrique, o cardeal-rei
Dom Henrique, o cardeal-rei

Desastre económico

O regresso de D. Henrique ao poder significou também a retoma da sua política cautelosa quando era regente de D. Sebastião. D. Henrique sempre tinha sido um opositor da invasão de Marrocos. No curto período de tempo que durou o seu reino, teve que defrontar dois problemas maiores: as finanças e a sua própria sucessão.

A batalha de Alcácer-Quibir foi um desastre económico para Portugal. Pelas despesas avultadas que gerou na sua organização, e pelos resgates que o país teria que pagar. Este facto iria condicionar as relações com Espanha doravante.

À procura de um futuro rei

Podemos afirmar que a crise de sucessão que surgiu depois do desaparecimento de D. Sebastião foi provocada pelo próprio. Era “óbvio que tinha pouco interesse em mulheres” (Disney, 2019, p. 236). Na ausência de herdeiros legítimos do jovem monarca e na “inexistência de regras sucessórias explícitas” (Magalhães,1993), D. Henrique pensou primeiro em contrair matrimónio. Foi impedido neste projeto pelo papa Gregório XIII, um aliado de Filipe II de Espanha, que já demonstrava interesse no trono português.

O rei tinha que designar um sucessor para o trono. Doente e plenamente consciente da problemática, D. Henrique deu assim início às Cortes de Almeirim em 1580. Os pretendentes ao trono tinham de justificar a legitimidade das suas ambições à sucessão de D. Henrique. A morte inesperada do rei nas cortes bloqueou o processo de designação do seu sucessor legitimo.

Filipe, rei de Espanha e pretendente ao trono português

D. Filipe
Dom Filipe, rei de Espanha e de Portugal

Filipe, sendo este neto varão por linha materna de D. Manuel I, reclamou para si a coroa portuguesa, considerando ele ser o único herdeiro legitimo da coroa portuguesa. No século XVI, a legitimidade para aceder ao trono não era a correspondência com o povo ou a identidade da nação, mas o direito pelo sangue (Monteiro, 2009, p. 252).

Um Conselho de Governadores do Reino assumiu o poder interinamente. A sua principal missão: encontrar um novo rei no seio dos pretendentes ao trono. Mas era um conselho parcial, já dependente da casa reinante de Espanha, os Habsburgos. Subornados por Filipe II, a decisão dos grandes do reino parecia favorável ao rei espanhol para suceder a D. Henrique.

Estavam reunidas duas condições para a nomeação de Filipe: a sua legitimidade dinástica e, sobretudo, o seu poderio financeiro. O estado português estava de facto com as suas finanças em dificuldade desde os meados do século XVI, o que a derrota de Alcácer-Quibir veio acentuar profundamente. Portugal, que já era dependente da prata espanhola vinda da América para viabilizar o seu comércio ultramarino (Disney, 2019, p. 241), dificilmente poderia pagar as suas dívidas sem a ajuda do país vizinho.

Portugal e Espanha unem-se à força

Mas a escolha da solução espanhola pelo Conselho era polémica, o povo não desejando um rei estrangeiro, muito menos um espanhol. A burguesia temia que os seus interesses económicos padecessem de uma União Ibérica.

União Ibérica
União Ibérica

Afastada a hipótese de D. Catarina de Portugal, filha do infante D. Duarte, só existia um pretendente ao trono que fosse português: o Prior do Crato, D. António. Mas ele era um filho bastardo do infante D. Luís, o que lhe valia toda a antipatia de D. Henrique.

Face às hesitações do Conselho em designar Filipe como o herdeiro legitimo do trono, este decidiu avançar, e conquistar pela força o que julgava ser seu por direito.

Por seu lado, D. António não teve a legitimação necessária pela via jurídica, mas tinha o apoio popular. Aclamado rei em Santarém pelo povo, teve rapidamente que defrontar as tropas filipinas, lideradas pelo duque de Alba. Sem tropas capazes de travar o avanço espanhol, foi derrotado na batalha desigual de Alcântara. Filipe II podia finalmente ser aclamado rei de Portugal nas Cortes de Tomar em 1581, selando assim a nova União Ibérica e o fim da independência de Portugal.

Bibliografia

  • DISNEY, Anthony R. – A História de Portugal e do Império Português. Lisboa: Clube do Autor, 2019.
  • MAGALHÃES, Joaquim Romero – Os régios protagonistas do Poder. In MATTOSO, José dir. – História de Portugal. [S.l.]: Círculo de Leitores, 1993. vol. 3
  • MONTEIRO, Nuno – Idade Moderna (séculos XV-XVIII). In RAMOS, Rui coord., História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009.
  • OLIVEIRA, Aurélio de – História do Descobrimentos e Expansão. Lisboa: Universidade Aberta, 1999.

Conversa

Ler também