Portugal era, no século XV, um país de contrastes. Ao intenso desenvolvimento da ciência náutica e do comércio internacional podemos opor o que parece ser um quase alheamento das novidades artísticas vindas da Flandres ou da Itália.
Novas técnicas
A Europa estava num período de transição artístico. Os antigos valores do gótico foram progressivamente substituídos por temáticas e valores estéticos novos, com a pintura a assumir cada vez mais elementos da cultura humanista, com inclusões de cenas realistas em obras de cariz eminentemente simbólica.
Neste século XV, as novidades impulsionadas por Giotto no século precedente foram assumidas plenamente por italianos e flamengos. Passou-se de representações hieráticas, de personagens rígidas onde a principal preocupação era a clareza da mensagem, a representações cada mais fiéis da realidade, baseadas na observação da natureza. Os artistas, e quem os contratavam, estavam imbuídos da cultura humanista, com o Homem como centro das atenções. Os rostos eram agora individualizados, o estudo das proporções e da perspetiva recém-descoberta pelos artistas italianos veio completar o sentido de pormenor adquirido no século XIV.
As novas técnicas de representação pictural contribuíram para a mudança vivida na pintura do século XV. Utilizando doravante a pintura a óleo em base de tempera, pintores primitivos flamengos como Jan Van Eyck ou Robert Campin obtiveram cores mais realistas e vibrantes. O uso da velatura permitiu melhorar a rendição dos tons de pele ou a transparência das vestes, ao serviço das emoções que se queriam retransmitir.
Portugal, país conservador
Portugal, país periférico, pareceu tardar na adoção das novas correntes artísticas e do naturalismo em voga em Itália ou na Flandres, salvo uma exceção notável, o pintor Nuno Gonçalves que exerceu na segunda metade do século XV. Em Portugal, não parece existir antes deste pintor de que pouco sabemos, outros artistas que justificassem o surgimento desta forma de pintar tão inovadora por terras lusas.
Na primeira metade deste século, as principais características da pouca pintura que sobreviveu até aos nossos dias são nitidamente arcaizantes. As obras ainda apresentavam características tipicamente góticas, longe daquilo que executavam para mecenas os pintores primitivos flamengos ou italianos. É certo que alguns nomes de pintores portugueses surgem neste período, como Álvaro Pires de Évora, mas não exerceram em Portugal. Talvez a culpa seja a de um mercado interno português de Arte paupérrimo, onde os poucos clientes possíveis preferiam encomendar obras mais conservadoras.
Não existia mercado, portanto, capaz de motivar o aparecimento de novos artistas portugueses, nem existiam artistas para preencher as poucas encomendas que existiam. É assim que se pode interpretar a encomenda do Livro de Horas de Dom Duarte a um artista de Bruges. As iluminuras sobre pergaminho que se faziam no norte da Europa, de grande qualidade, não tinham paralelo em Portugal. A iluminura de São Vicente em particular apresenta características das obras pré-renascentistas, visíveis na perspetiva utilizada. Porém, o santo é aqui representado com um dos seus atributos habituais, o evangeliário, numa pose iconográfica ainda marcadamente gótica pela sua rigidez e solenidade. Uma adaptação talvez, ao gosto português.
Nuno Gonçalves, a exceção portuguesa
A obra de Nuno Gonçalves apresenta-se à primeira vista sem correlação com pintores portugueses. Podemos tentar descortinar uma certa “escola portuguesa” ao olhar para obras escassas e dispersas, como o tríptico do Infante D. Fernando, de autor desconhecido.
A escolha do tema, com membros da família real, não deixa de fazer eco aos painéis ditos de “São Vicente”, obra maior de Nuno Gonçalves, sem, porém, apresentar o mesmo nível de destreza técnica.
De facto, o mestre português foi ímpar em Portugal, e até além-fronteiras. Apresenta influências de mestres italianos, catalães e flamengos, guardando características próprias. O seu desenho é rigoroso, os retratos personalizados, o drapeado e os pormenores das vestes relembram o que de melhor se fazia neste século na Europa.
Nuno Gonçalves parecia destoar no contexto português. Os seus imediatos sucessores, como Vicente Gil ou o “Mestre de Santa Clara”, não apresentam a sua qualidade técnica nem o seu realismo como retratista. No tríptico de Santa Clara, testemunho da existência de uma oficina na região de Coimbra, traços inovadores como os pormenores dos fundos fazem contraponto com a rigidez toda gótica das figuras. As outras produções contemporâneas ainda não tinham dado o passo de gigante em direção à Renascença que Nuno Gonçalves tinha dado.
Será preciso esperar largos anos do século XVI até que por fim, um pintor como Grão Vasco surge no panorama nacional e liberte a pintura portuguesa dos seus arcaísmos.
Bibliografia
GOMBRICH, Ernst – Histoire de l’art. 7ª ed. Paris : Phaidon, 2001.
PEREIRA, Paulo – Arte Portuguesa, História Essencial. Lisboa: Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2014.
ALBUQUERQUE, Maria Manuela Barroso de; ALMEIDA, Jorge Filipe de – Os Painéis de Nuno Gonçalves à Luz da Razão. [Registo Vídeo] Realização e produção de ALMEIDA, Jorge Filipe de, 2014. Disponível na Internet: https://www.youtube.com/watch?v=bhbMv9krKAQ