Ramalho Ortigão
Ramalho Ortigão

Ramalho Ortigão, defensor do património nacional

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Nasceu no Porto em 1836 aquele que viria a ser um dos maiores defensores do Património português e das artes decorativas nacionais do seu século, José Duarte Ramalho Ortigão.

Filho de um oficial do exército, estudou Direito em Coimbra, mas por lá ficou pouco tempo. Aos 19 anos, é professor de francês no Porto, e começa a colaborar com vários jornais, num país em plena mutação, num país que parecia esquecer o seu Património. Toda a sua vida, este autor vai escrever sobre vários temas da sociedade portuguesa, em textos de intervenção onde expõe a sua própria visão critica.

Critico de arte e Questão Coimbrã

Vai, entre outros interesses, endossar o papel de critico de arte, tendo desenvolvido uma obra notável no panorama artístico nacional, onde lamenta a “desnacionalização pelintra do povo” pela descaracterização da arte nacional. Ao escrever o folheto “Literatura de Hoje”, o jovem Ortigão envolve-se na “Questão Coimbrã”, polémica literária dos anos 1865/1866, opondo os velhos intelectuais do Romantismo às novas correntes do Naturalismo e do Realismo.

Com o seu folheto, o autor defendia a honra do velho poeta António Feliciano de Castilho, contra os ataques ad hominem de Antero de Quental. Provocado em duelo por este, Ortigão sai ferido no braço esquerdo, mas ganha um amigo. Os dois autores partilhavam afinal ideias comuns, querendo ambos trazer Portugal para a “modernidade”. Para estes intelectuais da “Geração de 70”, a literatura devia mostrar a realidade tal como ela era, para se poder corrigir.

Geração de 70
Geração de 70

Conhecer o estrangeiro para fazer progredir Portugal

Esta consciência daquilo que “estava mal” no país foi crescendo em Ortigão nas suas viagens ao estrangeiro, a primeira das quais em Paris e a sua Exposição Universal de 1867, testemunha no seu tempo dos progressos industriais e das artes decorativas associadas. Desta viagem, o autor publica em 1868 Em Paris, onde o próprio indica-nos que viaja “para voltar depois, porque se volta melhor do que se foi; mais instruído, nem sempre; mais ensinado, sim”. Outras obras sobre as suas viagens seguiram, em terras lusas com As Praias de Portugal em 1876 ou no estrangeiro com a Hollanda em 1883 e John Bull em 1887. A obra de Ortigão reflete uma vontade de progresso e enaltecimento nacional, um progresso que passa por uma reafirmação da cultura genuinamente portuguesa, em contraponto com as suas experiências no estrangeiro.

Criticar para avançar

Esta busca do progresso constante, seja para Portugal ou para ele próprio, conduz o escritor até Lisboa, onde aceitou o cargo de oficial daquela que é hoje a Academia das Ciências de Lisboa. A partir de 1871 inicia a publicação mensal da sua obra hoje mais conhecida: As Farpas, primeiro com o seu amigo Eça de Queirós, depois a solo. Durante vários anos, Ramalho Ortigão vai, pela sátira e caricatura, criticar todos os aspetos da sociedade portuguesa, da educação à religião, passando pela economia ou as artes.

O Culto da Arte em Portugal

Multifacetado, um dos seus centros de maior interesse vai obter um destaque particular para os historiadores da Arte. Com a sua obra “O Culto da Arte em Portugal” publicada em 1896, Ramalho Ortigão, que descreve o estado lastimável em que se encontrava segundo ele o Património português, toma posições fortes, em prol do “reaportuguesamento” da arquitetura e das artes decorativas. O desaparecimento de saberes e de indústrias outrora sinónimas de excelência à portuguesa tinha de ser combatido.

Vencidos da Vida
Vencidos da Vida

Ortigão pugnava por um regresso à autenticidade portuguesa nas artes, com destaque para as decorativas. “As coisas que rodeiam o homem lhe enformam a personalidade” segundo o escritor, sejam elas mobílias, têxteis, azulejaria, ourivesaria, cestaria… E só com arte genuinamente portuguesa se poderia incitar à criatividade lusa. Com o seu novo grupo de intelectuais, “Os Vencidos da Vida”, antigos da Geração de 70, afirmava um regresso às tradições passadas como via de progresso.

Segundo ele, a alma portuguesa expressava-se melhor nas Artes e na Arquitetura de estilo manuelino, que outros no seu tempo consideravam “decadente”, opondo-lhe ferozmente às novidades vindas do estrangeiro.

Câmara Municipal de Soure, inicio do século XX, de estilo neomanuelino
Câmara Municipal de Soure, inicio do século XX, de estilo neomanuelino

Lutar contra o abandono do património

Em “O Culto da Arte em Portugal”, Ortigão luta contra a decadência portuguesa, um traço comum da sua produção literária, interventiva. O intelectual lamenta profundamente o estado de abandono em que se encontrava o património nacional, vítima da incúria dos governos sucessivos, mas também vítima do pouco caso que faziam da antiga arte portuguesa as elites nacionais. Neste livro, para além de nos entregar a sua visão pessoal sobre o estado da arte nacional, Ortigão também faz propostas para resolver os problemas, pouco ou nada seguidas.

Inspirado na obra do inglês John Ruskin, pensava que era pela criação de um Museu Industrial e consequente educação do povo que Portugal iria se desenvolver. Foram talvez nas artes decorativas onde obteve algum sucesso, artes capazes de enaltecer as qualidades portuguesas. Antes de Ortigão, poucos foram os que deram importância às artes decorativas. Ele o primeiro lutou para que fossem consideradas como essenciais na produção industrial nacional. As Exposições e Comissões onde participou tiveram em conta as suas análises, onde faz a ligação entre as pequenas indústrias de caracter artesanal e a arte antiga, capazes de manter a tradição e originalidade portuguesas. Para Ortigão, só este saber-fazer, distinto dos outros países, permitia à indústria nacional ser concorrencial.

No final da sua vida, Ramalho Ortigão, decididamente antirrepublicano, escreve em 1914 a “Carta de um Velho a um Novo”, dirigida a João Amaral, fundador do Integralismo Lusitano. Ortigão apoia no seu escrito o novo movimento, de cariz tradicionalista e monárquico. No ano seguinte, vítima de cancro, acaba por falecer em Lisboa.

Bibliografia

ALVES, Alice Nogueira – Ramalho Ortigão e o culto dos monumentos nacionais no século XIX [em linha]. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2009. Tese de Doutoramento. [Consultado em 16/01/2021] Disponível na internet em: http://hdl.handle.net/10451/2401

ORTIGÃO, Ramalho – O Culto da Arte em Portugal. Lisboa, A. M. Pereira, 1896. Disponível na Internet: http://purl.pt/207

VILELA, Ana Luísa – Imagens do estrangeiro e auto-imagem na obra de Ramalho Ortigão [em linha]. Évora: Centro de Estudos em Letras – Universidade de Évora, 2011. [Consultado em 16/01/2021] Disponível na internet em: https://www.utad.pt/cel/wp-content/uploads/sites/7/2018/06/CEL_Literatura_4.pdf


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