Mosteiro de Seiça
Mosteiro de Seiça

Porque o património está ao abandono em Portugal?

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A degradação do património em Portugal tem dois fatores que ainda hoje são válidos. Os estragos causados pela Natureza, pelo passar do tempo ou pelas catástrofes naturais por um lado, e os estragos causados pelo próprio homem.

Falta de consciência

Foi moroso a tomada de consciência da opinião pública da importância da sua herança patrimonial. Também foi moroso a tradução em leis eficazes desta nova mentalidade. A visão que vigorou até ao século XVIII foi essencialmente utilitarista. Protegia-se o que tinha utilidade, sem grandes considerações artísticas ou de relevo histórico. Fosse património militar ou religioso, a palavra de ordem era o uso que dele se fazia. Por conseguinte, não se hesitava em transformar ou mesmo destruir o que já não era útil, ou pior, o que já não se considerava belo.

Os inúmeros “restauros” de monumentos antigos pouco tinham em conta a herança do passado, não hesitando em destruir ou cobrir elementos do passado e substituindo-os por elementos mais ao gosto contemporâneo. Para os monumentos esquecidos, sem uso, não rara vez foram simplesmente demolidos, com as suas pedras reutilizadas noutras construções.

Moradias geminadas
Estas moradias geminadas demonstram o estado do património hoje. Não sendo classificado, não existe qualquer consideração por ele. Se tiver dinheiro, restaura-se ao gosto “moderno”. A traça antiga foi eliminada.

Este triste panorama continuou pelo século XIX e as degradações por vezes ideológicas. O fim das ordens foi neste aspeto desastroso para a conservação dos monumentos religiosos. Foi necessário, para enfim se mudar de mentalidades, toda a energia de um punhado de pessoas.

Alexandre Herculano, denunciou com força e veemência o que ele chamou de “vandalismo de camartelo”. Ramalho Ortigão segue-lhe as pisadas com a publicação nos finais do século XIX de “O Culto da Arte em Portugal”, onde denuncia a incúria dos governos sucessivos. Para eles, o maior mal residia na ignorância.

Ramalho Ortigão
Ramalho Ortigão

O que proteger?

Só podemos proteger eficazmente o património quando se sabe o que se entende por património. O que vale a pena ser guardado e protegido? Com critérios claros, pode-se elaborar uma listagem do património edificado português, para o qual o Estado, e os Portugueses, devem ter uma atenção especial.

Esta listagem demorou séculos para ser estabelecida, literalmente.

A consciencialização da importância do património foi um processo lento. Em 1721, com o rei D. João V, pela primeira vez houve uma lei que vinha em defesa dos “monumentos antigos”. Mas ela não estabelecia formalmente uma listagem do que deveria ser protegido.  Só existia uma obra datada de 1686, que descrevia Portugal “por suas cidades, vilas, fortes e fortalezas”. Depois da morte do rei, a inventariação ficou letra morta. A primeira metade do século XIX, apesar de ser catastrófica para o património, também foi tingindo por ideias românticas, que idealizavam o passado. Como tal, surgiram ideias que iam de encontro com os objetivos do alvará joanino, a defesa do património para a memória das glórias passadas da Nação.

As publicações de Alexandre Herculano foram fulcrais para se por o dedo na ferida, a herança maltratada. Herculano descrevia na revista “o Panorama”, com ajuda de correspondentes, o estado em que se encontravam os monumentos portugueses.

A primeira tentativa de listagem global dos monumentos portugueses só acontece em 1858, com Joaquim Possidónio Narcisso da Silva, por licença de D. Pedro V. A sua listagem não chegou a surtir efeitos, nem o Estado, nem os municípios tendo tomado as suas responsabilidades. A partir de 1870, várias comissões vão ser criadas pelo Estado. Só em 1880 surgirá uma primeira listagem, com os monumentos divididos em seis classes.

Apesar de tudo, não surgem efeitos concretos para a defesa do património.

1910, por fim, os monumentos históricos!

As comissões sucediam-se, sempre com objetivos similares, sempre sem efeitos práticos. Compostas por interesses políticos mais do que interesses patrimoniais, os resultados faziam-se esperar, apesar da opinião publica pressionar cada vez mais. O interesse pelos monumentos era, nesta fase, principalmente histórico e arqueológico. Com Elvino de Brito, e o seu trabalho no seio do Conselho Superior dos Monumentos Nacionais a partir de 1897, inclui-se as obras também pelo seu relevo artístico. Este conselho chega por fim a uma lista em 1909, que servirá de base à lei de 1910 de classificação e proteção do património.

Apesar de distantes de Ramalho Ortigão, parece que no nosso século estamos confrontados à mesma ignorância denunciada pelo intelectual do século XIX. O Estado progrediu em prol da defesa do património, apesar das dificuldades económicas. Mas os pressupostos ideológicos ainda são fortes, e antes de se olhar ao valor artístico ou histórico, ainda se degrada hoje monumentos de um passado de que deveríamos supostamente ter vergonha, esquecendo a devida contextualização.

menino da fonte em Pombal
Não é por se estar no século XXI que o património está muito melhor protegido. Em Pombal, o pobre menino (foto de baixo) desapareceu depois das obras de “requalificação” (foto de cima). Se alguém conseguir explicar o que foi requalificado…

Conversa

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