Portugal nunca foi um país populoso. A falta de terras férteis como no norte da Europa nunca deixou a população crescer significativamente. Esta falta de gente, de “braços para trabalhar” foi talvez a maior fraqueza portuguesa na hora de manter o vasto império marítimo construído no século XVI.
Um país rural
O século XVI foi marcadamente um período de profundas alterações culturais e económicas. Em contacto com povos dos quatro cantos do mundo e com um império vastíssimo para gerir, Portugal continuava porem dependente principalmente da ruralidade, onde ficava a esmagadora maioria da população. O aumento populacional português foi relativamente lento, feito de avanços e retrocessos no decorrer do século, mas ainda assim a um ritmo superior ao resto da Europa.
A avaliação da evolução da população portuguesa no século XVI é dificultada pela ausência de números exatos. Para estabelecer o computo da população, existe principalmente, em termos gerais, três fontes: o numeramento dos focos em Portugal de 1527-1532, os arrolamentos de 1580, de onde se pode deduzir ordens de grandeza e os registos paroquiais a partir do Concílio de Trento.
Um país pouco povoado
O início do século em estudo foi, em termos europeus, um século de recuperação. O continente acabara apenas de sarar as feridas provocadas pelas pandemias dos dois séculos precedentes, combinadas com as guerras incessantes. Portugal não foi exceção, e, com todos os seus particularismos, a evolução da população portuguesa seguia nos seus traços gerais o modelo dos seus vizinhos europeus. Estima-se que Portugal não possuía mais de um milhão de almas no começar de Quinhentos. Este número representava uma densidade populacional semelhante ao vizinho castelhano, mas baixa comparativamente à França, Alemanha, Itália ou Países Baixos, cujas densidades rondavam os 30 hab/km2, ou seja, o dobro da portuguesa.
Contudo, a densidade populacional global de Portugal esconde realidades regionais muito diversas. A um aumento populacional fraco no Portugal rural opõe-se o dinamismo das cidades. As Grandes Descobertas, lideradas pelos portugueses, proporcionavam novas perspetivas económicas, atraindo populações rurais para Lisboa e outros focos urbanos ligados à expansão ultramarina. As terras férteis portuguesas, apesar de novos arroteamentos, não pareciam chegar para sustentar o acréscimo populacional. Para mais, os índices de fertilidade da população rural permaneciam relativamente baixos, com casamentos tardios, muitos não chegando sequer a casar ou constituir família.
Um crescimento mais rápido… mas insuficiente
O crescimento português consolidou-se durante o longo século XVI (1480-1620). Do milhão de almas estimadas por volta de 1500, passamos para um máximo estimado de 1 300 000 durante o numeramento de 1527, um movimento que continuou crescendo até pelos menos 1620, apesar da desaceleração sentida a partir de 1580, fruto dos diferentes surtos de peste. Estes números indicam-nos um crescimento superior ao restante continente europeu, muito devido à vitalidade económica da expansão portuguesa.
Sociologicamente, este século também foi de profundas mudanças. A expulsão dos Judeus e consequente êxodo provocou uma hemorragia na população ainda mal avaliada atualmente. Essencialmente urbanos, teriam sido cerca de 600 000 a deixar o país. Estas partidas foram parcialmente compensadas, em termos numéricos, com as chegadas de numerosos escravos africanos, muito visíveis em Lisboa, chegando a representar 10% da população da capital. As estimativas são porem muito lacunares, conhecendo-se a sua forte presença no Algarve (10% dos algarvios) ou em Santarém. A chegada dos escravos acelerou “o movimento de emigração dos naturais, a que faziam concorrência”.
Disparidades geográficas
O numeramento de 1527-1532, a nossa fonte mais segura para obtermos um retrato da população portuguesa do século XVI, mostra-nos as grandes disparidades que existiam nas diferentes regiões portuguesas. As regiões mais densamente povoadas estavam todas a norte do Tejo: Entre Douro e Minho, destacadamente com a mais forte densidade, seguindo-se a Beira, Estremadura e Trás-os-Montes. O sul do Tejo, que corresponde a metade do território nacional, era fracamente povoado, sendo toda a sua população apenas superior à região de Entre Douro e Minho, ou seja cerca de 20% do total.
A rede urbana do Sul era fundamentalmente diferente da do norte de Portugal. A população concentrava-se em grandes cidades (Evora, Elvas, Tavira…), um hábito herdado da cultura islâmica. No Sul concentravam-se a maioria das cidades com mais de 1000 habitantes do país. As Beiras e Trás-os-Montes eram caracterizadas por numerosos núcleos urbanos de pequena dimensão, nenhum chegando a atingir os 1000 focos. O Noroeste tinha poucas cidades, o essencial da população estando repartida em pequenos aglomerados populacionais. Na Estremadura também havia poucas cidades, o poder de atração de Lisboa sendo desmesuradamente grande.
Lisboa, capital centralizadora
O forte centralismo que se desenvolveu em Portugal foi notório na população lisboeta. Assim, a população da capital portuguesa praticamente triplicou no decorrer do século, passando de 60 000 habitantes por ronda de 1500 a 165 000 em 1620. O peso demográfico de Lisboa foi assim cada vez mais importante e desproporcionado em relação à Estremadura e ao total da população portuguesa.
A segunda cidade do país, o Porto, contava em 1527 com 15 000 habitantes, muito aquém de Lisboa. Mas a sua região, o Entre Douro e Minho, tinha uma população mais bem repartida, contando com outras cidades de dimensões capazes de se medir com o Porto: Guimarães ou Vila do Conde são disso um bom exemplo.
Portugal era desta forma um país de desequilíbrios, com duas zonas de reduzidas dimensões, mas contando por metade da população portuguesa, Lisboa e Entre Douro e Minho. O contraste era muito forte com o Sul semidesértico.
O centro do país, que em números absolutos era a comarca mais populosa, também era terra de contrastes. A zona fronteiriça com grandes cidades opunha-se à zona litoral, com pequenos povoados dispersos. Longe do comércio marítimo e das suas oportunidades, este interior do país não teve a pujança demográfica do litoral. Por fim, a estrada norte-sul era outra grande zona de concentração populacional, a par com o Vale do Tejo.
Como podemos aferir, o Portugal de 1527 apresenta taxas de urbanização muito contrastadas. A um Sul do país fortemente urbanizado (metade da população vivia em núcleos urbanos de mais de 250 focos), podemos contrapor um Noroeste rural, com apenas 15% da população urbanizada ou de forma ainda mais acentuada, o interior beirão e Trás-os-Montes, com 7,5% e 6% de taxa de urbanização respetivamente.
O século XVI foi um século de migrações, com a população rural e do interior a procurar novas oportunidades nas cidades do litoral, iniciando assim o processo de litoralização do país que ainda hoje conhecemos.
Bibliografia
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