Existe na região de Leiria, a meio caminho entre Lisboa e o Porto, um monumento fora do comum : o Mosteiro de Alcobaça. Todos os anos, o mosteiro património da Humanidade segundo a UNESCO é visitado por 250.000 pessoas.
Igreja da Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça
Foi o primeiro edifício de estilo inteiramente gótico a ter sido construído em Portugal. O mosteiro é obra dos monges da ordem de Cister, que começaram a sua construção em 1178, o que é relativamente pouco tempo depois da fundação da nação em 1143. Naquele momento, a Reconquista da península ibérica aos Mouros ainda estava longe de ter acabado. O primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques tinha estabelecido o mosteiro em 1148. Em 1152, o mosteiro provisório entrou em funções, e iria dar lugar ao magnifico monumento que podemos ver hoje. Os monges tiveram um papel social de primeiro plano: criaram a primeira igreja publica em 1169.
A poderosa ordem de Cister tinha-se instalada em Portugal em 1144, e foi rapidamente a ordem mais poderosa do país e da Europa. A construção da igreja da abadia actual iniciou-se em 1178, e foi consagrada em 1253.
O Mosteiro de Alcobaça contribuiu em muito para o poder da Ordem, e reflecte os princípios dos cistercienses, que se reclamam dos Beneditinos: ascetismo e rigor litúrgico, com o trabalho como valor cardinal. A simplicidade e a humildade são características que deviam serem os únicos adornos da igreja, sem artifícios inúteis à vida monástica.
A igreja é composta por uma nave central e duas naves laterais de 20 m de altura, completadas por transepto, dando à igreja uma forma geral de cruz, típica dos cistercienses. As suas grandes dimensões (106 m de cumprimento por 22 de largura e 52 m para o transepto) fazem-na a maior – ainda de pé – das igrejas da Ordem de Cister.
Os restauros levados à cabo nos anos 1930 devolveram o seu aspecto medieval de origem ao edifício, mas o órgão foi removido. A fachada do monumento não corresponde à fachada medieval, como calcula. Os ornamentos barrocos são do século XVIII. Somente a rosácea e a porta principal são de origem.
Apesar do seu prestigio, a igreja do mosteiro de Alcobaça teve pouca influência na arquitectura medieval gótica portuguesa. Encontraremos dificilmente outra igreja com características similares em Portugal. Alcobaça foi considerada uma experiência única.
Até ao século XVIII, a igreja não era permitida às pessoas de fora da ordem de Cister. O grande portal só abria em raras ocasiões, o povo devendo contentar-se com uma outra igreja, menor, ligada ao mosteiro, a “igreja do povo”.
Claustro do Silêncio ou de Dom Dinis
Quando se pensa em monges, pensamos rapidamente em pessoas totalmente dedicadas a Deus, cultivando a introspecção, o estudo de si, e, para muitos, o culto do silêncio. Não é raro o filme ou o livro que nos apresenta monges que não têm o direito de falar! O Mosteiro de Alcobaça têm um claustro que corresponde às ideias populares sobre os monges: o Claustro do Silêncio.
O claustro ocupa uma posição central nos mosteiros, que até podem têm vários. O claustro de Dom Dinis é o claustro principal do mosteiro de Alcobaça, por onde todos os monges tinham que passar para irem ao refeitório, à igreja e às outras partes essenciais do complexo religioso. Foi construído entre 1308 e 1311, no sitio de um claustro mais antigo, que provavelmente se tinha desmoronado. O nome do claustro vêm do rei Dom Dinis. Foi o primeiro rei português que sabia ler, um monarca esclarecido amigo das artes, que merecia sem duvida a honra de ter um claustro tão belo com o seu nome.
Ao que parece, a construção do claustro foi financiada com o dinheiro do rei Dom Afonso III, que tinha deixado instruções nesse sentido no seu testamento de 1271. Dois arquitectos vão realizar os trabalhos: Domingo Domingues e Mestre Diogo. Uma das construções mais notórias deste espaço é o lavabo, sempre presente neste tipo de mosteiros. Muito decorado com baixo-relevos, a água corre nele como no primeiro dia.
O Claustro do Silêncio é mais antigo do que os claustros do outro grande mosteiro da região, o Mosteiro da Batalha. A arquitectura é típica do século XIV. Tal como o claustro de dom Afonso V no mosteiro da Batalha, as decorações não são exuberantes, um ideal de simplicidade, como devia ser um mosteiro cisterciense. Estamos longe da exuberância do claustro real do Mosteiro da Batalha!
O piso superior do claustro é mais tardio, da época do rei Dom Manuel I. Foi construído no inicio do século XVI por ordem do abade Dom Jorge de Melo, com os planos de João de Castilho. Este século, o mais grandioso para Portugal, está presente neste primeiro andar, muito menos marcado pela Arte Gótica.
A sua alcunha de “Claustro do Silêncio” vêm, como se imagina, da proibição de falar neste sítio. Acho que não é coisa má, quando se é religioso, de ter um sítio que sabemos silencioso. Fora do claustro, os religiosos podiam falar.
Este claustro é calmo, convidativo para o descanso, com o seu jardim, as suas pedras antigas ou o seu andar. Compreendo que alguém se queira dedicar a Deus quando pode desfrutar de um tal espaço de tranquilidade!
O mosteiro também usufrui de outros claustros, de cariz mais recente.
Túmulos de Inês de Castro e Dom Pedro
Dois sumptuosos túmulos fazem-se frente na igreja. São os túmulos de Dom Pedro, rei de Portugal, e de Dona Inês de Castro, os mais conhecidos dos amantes portugueses.
A história de amor de Inês e Pedro é um facto histórico português, tendo marcado consideravelmente os espíritos. Dom Pedro, infante de Portugal, herdeiro do Reino, teve o erro de estar completamente apaixonado pela mulher errada.
Em 1339, Dom Pedro casa-se com uma princesa de Castela, Constança Manuel. Foi um casamento arranjado pelo pai, o rei Dom Afonso IV. Dom Pedro não gosta de esta esposa forçada. Apesar de tudo, tudo estaria bem se o príncipe não estivesse apaixonado por uma dama de companhia da sua esposa, a galega Inês de Castro.
Inês era uma rapariga muito bonita de olhos verdes. Este amor era mal visto pela corte portuguesa, que tinha medo que o futuro rei de Portugal desse mais ouvidos aos seus novos amigos castelhanos. Dom Pedro dava-se muito (demasiadamente) bem com os dois irmãos da mulher do seu coração. Sentindo-se ameaçada, a nobreza da corte portuguesa nunca deixou de pressionar o velho rei Afonso IV para que ele se livrasse desta mulher “perigosa” para eles. Foi assim que em 1344, o rei exila Inês de Castro no Castelo de Albuquerque, na fronteira com Castela.
Esta distância imposta não era suficientemente forte para apagar a chama do seu amor. A história conta-nos que mantiveram uma correspondência abundante durante todo esse período de afastamento. Este amor adulterino não seria uma verdadeira ameaça, se a mulher “oficial” de Dom Pedro não tivesse morrido enquanto dava à luz ao futuro rei de Portugal, Dom Fernando I. Viúvo, Dom Pedro tinha as mãos livres para fazer o que quisesse, e por conseguinte, casar-se com Inês de Castro, o que era como dizer, aos olhos dos nobres da corte, introduzir o inimigo no seio do Reino.
O príncipe Dom Pedro faz regressar Inês de Castro do seu exílio, para vir morar com ele em sua casa, o que provocou um grande desgosto ao pai. Dom Afonso IV vai tentar uma vez mais casar o seu filho com outra mulher da alta nobreza, o que o príncipe recusa. Para piorar as coisas, Inês de Castro vai dar quatro crianças a Dom Pedro, alimentando assim os rumores, dizendo que os Castro conspiravam para matar o filho de Dom Pedro e Constança, o futuro Dom Fernando I. A morte de Dom Fernando permitiria aos filhos de Inês de Castro de aceder à herança do Reino de Portugal. Deve-se aqui dizer que o filho legitimo era de constituição frágil, enquanto que os filhos de Inês eram robustos e cheios de vida.
Para agravar a situação, os irmãos de Inês de Castro não eram bons conselheiros. Quando o rei de Castela Afonso XI morreu, e face à impopularidade do seu sucessor Dom Pedro de Castela (chamado de “cruel”), os irmãos de Inês aconselharam Dom Pedro a pedir o trono do pais vizinho, o que ele podia fazer. Dom Sancho IV de Castela era o seu avô materno.
Foi o rei de Portugal que impediu a pretensão do seu filho, não querendo quebrar o principio de neutralidade para com a politica dos países vizinhos e que lhe tinha valido anos de paz.
Assassinato da Inês de Castro
Afonso IV estava encostado à parede: ele não tinha outra solução que matar a Inês de Castro. Como é que historia de uma simples mulher transformou-se numa ameaça para a segurança nacional? A 7 de Janeiro de 1355, aproveitando-se da ausência do príncipe Dom Pedro, que tinha ido caçar, Dom Afonso IV manda matar Inês. Ela foi assassinada na sua residência de Santa Clara, em Coimbra.
Este imenso crime imperdoável provoca a revolta do príncipe contra o seu pai. Seguem então meses de conflito, que foram unicamente interrompidos graças à intervenção da rainha, Dona Beatriz. Em 1357, quando o pai morre, Dom Pedro é finalmente rei de Portugal.
Em 1360, o novo rei faz a declaração de Cantanhede. Os seus filhos com Inês são doravante legítimos. Pedro afirma que se tinha casado com Inês em 1354. Só ele e o padre é que são testemunhos deste casamento, num “dia que não se lembravam”. Ele persegue os três assassinos de Inês. Os dois que foram capturados foram executados: o coração arrancado, um pelas costas, outro pelo peito, enquanto que Dom Pedro estava a comer num banquete. O terceiro conseguiu fugir para França, e será perdoado pelo rei pouco antes de morrer.
A Rainha Morta
A parte da lenda mais conhecida é sem dúvida o coroamento póstumo de Inês. Os nobres da corte portuguesa que tinham conspirado contra Inês de Castro foram obrigados a demonstrar-lhe respeito, beijando a mão do seu cadáver instalado no trono.
Quando D. Pedro morre em 1367, será finalmente reunido com a sua amada, no segundo túmulo do Mosteiro de Alcobaça. Os túmulos fazem-se frente para que no dia do Juízo Final, eles possam olharem-se nos olhos.
Os túmulos, como pode ver nas fotografias, são obras primas. As representações no túmulo de Dom Pedro são as de São Bartolomeu, o seu santo protector. A Roda da Vida simboliza a história mesmo de este rei, e o seu amor por Inês de Castro. O túmulo de Inês têm representações da vida e da morte de Jesus Cristo, em analogia com o que tinha sido a vida da princesa galega. A história retratada neste túmulo, o Juízo Final, conta-nos a condenação dos culpados e o salvamento dos inocentes.
A história de Inês de Castro inspirou numerosos artistas. Nos Lusíadas, Camões, o maior poeta português do Renascimento, vai fazer-lhe referência. Várias operas foram cantadas, vários quadros foram pintados e vários filmes foram realizados acerca da lenda de Inês de Castro, em Portugal mas também por toda a Europa…
A vida monástica
O dia à dia de um frade é sempre muito ritmado, com rituais imutáveis. Um dos lugares mais emblemáticos da vida num mosteiro é, a meu ver, o refeitório. Será neste lugar que toma todo o seu sentido a palavra Colectividade. Mas ainda existe uma outra pequena coisa… foram nas cozinhas e refeitórios dos nossos conventos e mosteiros que tantos doces, tantas iguarias foram criadas! Nunca poderei esquecer o imenso contributo à gastronomia europeia dos religiosos de outros tempos…
Declínio e abandono
O mosteiro atravessou as épocas, e conheceu muitas adversidades. Em 1810, com as invasões napoleónicas em Portugal, chefiadas por André Masséna, o mosteiro foi parcialmente incendiado. Acho curioso que em Paris, existe uma avenida com o nome do Masséna. Masséna morreu imensamente rico, enquanto que Portugal mergulhou numa crise como nunca antes. Obrigado Masséna, mereces o teu nome numa avenida de Paris!
Apesar da minha ironia, a maior adversidade para o mosteiro não foram as invasões napoleónicas, mas o fim das ordens religiosas em Portugal em 1833. Muitos mosteiros importantes conheceram nesta altura um destino fúnebre, totalmente abandonados, como foi o caso para o Mosteiro de Seiça.
O que salvou da destruição completa o Mosteiro de Alcobaça, foi o uso que se lhe deu. Serviu de câmara municipal, tribunal, teatro, biblioteca, lar de idosos… Estes usos, apesar das degradações, permitiram conservar as paredes de pé, até 1928, data em que o Estado português por fim começou a dar a devida importância a Alcobaça, ainda que parcialmente.
Este abandono pode traduzir-se ainda hoje pelo estado actual dos prédios que rodeiam o mosteiro. Fazem visivelmente parte do mosteiro, mas já não são utilizados, nem postos em valor, como se pode ver nas fotos. Não há dinheiro que chegue para restaurar tudo, apesar do potencial destes edifícios ser fenomenal: quem não sonha de passar uma noite num antigo palácio? Porque não fazer algo destes prédios? O que me vêm à cabeça quando vejo a quantidade de belos edifícios ao abandono ao Portugal é uma grande frustração, mas oxalá, com o turismo, se melhora o nosso património. Só falta mesmo dar a conhecer ao mundo que Portugal, não é só Lisboa, Porto e Algarve…