A beleza das cores aproxima-nos de Deus. Pelo menos, é o que nos dizemos quando se descobre pela primeira vez a Igreja de Válega, no concelho de Ovar…
E uma surpresa que nos espera, quando a vemos à beira de uma pequena estrada, depois de deixar a nacional. Visível de longe, parece como pousada no meio das terras, uma pedra preciosa de mil cores…
Uma igreja cemitério
A alegria das tonalidades coloridas, barulhentas e animadas, contrasta com o silêncio do cemitério. Um cemitério que parece ironicamente respirar vida!
![Cemitério em frente da igreja](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/valega-01.jpg)
De certa forma, relembra-nos a mais célebre das tradições de Ovar, o seu Carnaval. Um festival de cores e de animação, onde pela última vez se pode festejar antes da Quaresma e da sua contenção…
A igreja sempre esteve intimamente ligada com a última morada dos moradores de Válega. Envolta de cruzes e de terras sossegadas, é uma atmosfera de recolhimento que reina nesta igreja dedicada à Santa Maria do Amparo.
Uma igreja barroca
A profusão de adornos, típicos do Barroco, é, porém, aqui recente. Foi em 1746 que a construção da igreja atual teve início, para substituir uma igreja vizinha em ruínas. A construção iria eternizar-se por mais de um século. Em abono da verdade, o edifício, quase terminado, conheceu um terrível incendio em 1787 ou 1788 que a arruinou completamente. Os fiéis tiveram que recomeçar do zero…
Para o barroco português, o fiel deve caminhar espiritualmente quando entre numa igreja. Deve assim passar do mundo terreno e da simplicidade exterior, à riqueza ornamental do interior, evocando as maravilhas do além…
No início do século XX, este programa baroco ainda estava longe de ser o que é hoje. Foi pela intervenção de ricas famílias de benfeitores que a fisionomia da igreja iria transformar-se completamente, tornando-a hoje na igreja mais colorida de Portugal!
![Interior da igreja](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/valega-05.jpg)
Amigos de Válega
Os Oliveira Lopes, ilustres cidadãos de Ovar e Republicanos convictos vão financiar as obras de conservação e de melhoria da igreja. Não nos podemos esquecer que nos primórdios da Républica, os Republicanos eram claramente anticlericais, o que parecia ser uma clara contradição dos Oliveira Lopes.
Os moradores de Válega não esqueceram nunca esta proteção destes notáveis para com a igreja, e uma escola, hoje museu, ainda enverga o nome da ilustre família.
As obras iniciam-se em 1923, ainda durante a Primeira República. Só iriam terminar em 1975, já em democracia, com a intervenção do arquiteto Januário Godinho no programa decorativo lateral exterior. Com os Oliveira Lopes, a igreja ganhou um teto de madeira exótica e os seus primeiros azulejos exteriores…
![Azulejos dos ateliers de Jorge Colaço. Nossa Senhora do Amparo.](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/valega-02.jpg)
Se dermos a volta à igreja, e que olhamos para os azulejos que representam Nossa Senhora do Amparo, por cima da capela principal, podemos lá ver uma assinatura: Jorge Colaço. Esta Maria mãe de Deus veio do seu atelier, ele que foi a maior estrela dos azulejos portugueses do século XX.
Executados pela Fábrica Lusitânia de Lisboa, a obra de Colaço, colocada na igreja em 1942, provavelmente nunca pôde ser apreciada pelo Mestre no seu lugar. Jorge Colaço morreu no mesmo ano…
![Jorge Colaço](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/jorge-colaco-750x417.jpg)
Uma igreja que nos conta uma história
A incrível fachada policroma da igreja ainda é mais recente do que a obra afinal clássica de Jorge Colaço, de azul e branco. É tão recente que a igreja ainda não está inscrita nos Monumentos históricos. Ainda não. A fachada é de 1960! Esta novidade explica, em parte, o relativo desconhecimento dos grandes circuitos turísticos deste lugar.
Foi um natural de Válega que permitiu que a igreja envergasse hoje estes assombrosos azulejos. António Maria Augusto da Silva, tendo feito fortuna no Porto, nunca esqueceu a sua terra. Retomando o melhoramento da igreja no seguimento dos Oliveira Lopes, foi ele quem encomendou à Fábrica Aleluia de Aveiro os azulejos que hoje tanto nos impressionam…
E o que nos diz esta fachada?
No centro, por cima da porta principal, a figura da Nossa Senhora do Amparo, padroeira da freguesia. As temáticas escolhidas são incomuns. Vamos encontrar os cinco pilares da ideologia da Igreja: a eucaristia, a extrema unção, o matrimónio, a comunhão e o batismo.
Adicionam-se a estas representações São Pedro recebendo as chaves e a proclamação pelo papa Pio IX do dogma da Imaculada Conceição.
![Jesus dá as chaves a São Pedro](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/valega-03.jpg)
Cada um destes cinco pilares representa uma etapa fundamental da Igreja. Para representar o batismo por exemplo, foi o batismo de Constantino que foi escolhido. Constantino, pela sua escolha, fazia desta forma entrar o Império Romano na Fé cristã…
A riqueza interior
O fiel, depois de ter descoberto a história da igreja no exterior, uma história amarrada à realidade, pode agora entrar no domínio da Fé, penetrando no lugar de culto. Doravante, é o Novo Testamento e os evangelhos apócrifas que nos contam uma história…
Os azulejos e os vitrais nos fazem descobrir uma vida menos conhecida de Maria, não fazendo parte dos evangelhos “oficiais”. Podemos aqui encontrar a apresentação de Maria no templo quando os seus pais a consagram a Deus, mas também a morte de José…
![Azulejos do interior da igreja...](https://caminhosdeportugal.com/wp-content/uploads/2021/12/valega-04.jpg)
São cenas mais próximas dos fiéis portugueses dos anos 1960, que podiam se rever neste dia a dia de antigamente. Os vitrais da mesma altura, realizados em Madrid por Cuadrado, são disso um bom exemplo. Vemos um José ensinando a profissão de carpinteiro a Jesus, ou antigos sacerdotes de Válega…
Visitar a Igreja de Válega mobiliza tantos os sentidos, a começar pela vista, que o espírito. A figura de Maria é aqui central, dizendo talvez muito às gentes da aldeia, tão marcada que foi pela emigração e os pedidos de proteção divina…