A beleza das cores aproxima-nos de Deus. Pelo menos, é o que nos dizemos quando se descobre pela primeira vez a Igreja de Válega, no concelho de Ovar…
E uma surpresa que nos espera, quando a vemos à beira de uma pequena estrada, depois de deixar a nacional. Visível de longe, parece como pousada no meio das terras, uma pedra preciosa de mil cores…
Uma igreja cemitério
A alegria das tonalidades coloridas, barulhentas e animadas, contrasta com o silêncio do cemitério. Um cemitério que parece ironicamente respirar vida!
De certa forma, relembra-nos a mais célebre das tradições de Ovar, o seu Carnaval. Um festival de cores e de animação, onde pela última vez se pode festejar antes da Quaresma e da sua contenção…
A igreja sempre esteve intimamente ligada com a última morada dos moradores de Válega. Envolta de cruzes e de terras sossegadas, é uma atmosfera de recolhimento que reina nesta igreja dedicada à Santa Maria do Amparo.
Uma igreja barroca
A profusão de adornos, típicos do Barroco, é, porém, aqui recente. Foi em 1746 que a construção da igreja atual teve início, para substituir uma igreja vizinha em ruínas. A construção iria eternizar-se por mais de um século. Em abono da verdade, o edifício, quase terminado, conheceu um terrível incendio em 1787 ou 1788 que a arruinou completamente. Os fiéis tiveram que recomeçar do zero…
Para o barroco português, o fiel deve caminhar espiritualmente quando entre numa igreja. Deve assim passar do mundo terreno e da simplicidade exterior, à riqueza ornamental do interior, evocando as maravilhas do além…
No início do século XX, este programa baroco ainda estava longe de ser o que é hoje. Foi pela intervenção de ricas famílias de benfeitores que a fisionomia da igreja iria transformar-se completamente, tornando-a hoje na igreja mais colorida de Portugal!
Amigos de Válega
Os Oliveira Lopes, ilustres cidadãos de Ovar e Republicanos convictos vão financiar as obras de conservação e de melhoria da igreja. Não nos podemos esquecer que nos primórdios da Républica, os Republicanos eram claramente anticlericais, o que parecia ser uma clara contradição dos Oliveira Lopes.
Os moradores de Válega não esqueceram nunca esta proteção destes notáveis para com a igreja, e uma escola, hoje museu, ainda enverga o nome da ilustre família.
As obras iniciam-se em 1923, ainda durante a Primeira República. Só iriam terminar em 1975, já em democracia, com a intervenção do arquiteto Januário Godinho no programa decorativo lateral exterior. Com os Oliveira Lopes, a igreja ganhou um teto de madeira exótica e os seus primeiros azulejos exteriores…
Se dermos a volta à igreja, e que olhamos para os azulejos que representam Nossa Senhora do Amparo, por cima da capela principal, podemos lá ver uma assinatura: Jorge Colaço. Esta Maria mãe de Deus veio do seu atelier, ele que foi a maior estrela dos azulejos portugueses do século XX.
Executados pela Fábrica Lusitânia de Lisboa, a obra de Colaço, colocada na igreja em 1942, provavelmente nunca pôde ser apreciada pelo Mestre no seu lugar. Jorge Colaço morreu no mesmo ano…
Uma igreja que nos conta uma história
A incrível fachada policroma da igreja ainda é mais recente do que a obra afinal clássica de Jorge Colaço, de azul e branco. É tão recente que a igreja ainda não está inscrita nos Monumentos históricos. Ainda não. A fachada é de 1960! Esta novidade explica, em parte, o relativo desconhecimento dos grandes circuitos turísticos deste lugar.
Foi um natural de Válega que permitiu que a igreja envergasse hoje estes assombrosos azulejos. António Maria Augusto da Silva, tendo feito fortuna no Porto, nunca esqueceu a sua terra. Retomando o melhoramento da igreja no seguimento dos Oliveira Lopes, foi ele quem encomendou à Fábrica Aleluia de Aveiro os azulejos que hoje tanto nos impressionam…
E o que nos diz esta fachada?
No centro, por cima da porta principal, a figura da Nossa Senhora do Amparo, padroeira da freguesia. As temáticas escolhidas são incomuns. Vamos encontrar os cinco pilares da ideologia da Igreja: a eucaristia, a extrema unção, o matrimónio, a comunhão e o batismo.
Adicionam-se a estas representações São Pedro recebendo as chaves e a proclamação pelo papa Pio IX do dogma da Imaculada Conceição.
Cada um destes cinco pilares representa uma etapa fundamental da Igreja. Para representar o batismo por exemplo, foi o batismo de Constantino que foi escolhido. Constantino, pela sua escolha, fazia desta forma entrar o Império Romano na Fé cristã…
A riqueza interior
O fiel, depois de ter descoberto a história da igreja no exterior, uma história amarrada à realidade, pode agora entrar no domínio da Fé, penetrando no lugar de culto. Doravante, é o Novo Testamento e os evangelhos apócrifas que nos contam uma história…
Os azulejos e os vitrais nos fazem descobrir uma vida menos conhecida de Maria, não fazendo parte dos evangelhos “oficiais”. Podemos aqui encontrar a apresentação de Maria no templo quando os seus pais a consagram a Deus, mas também a morte de José…
São cenas mais próximas dos fiéis portugueses dos anos 1960, que podiam se rever neste dia a dia de antigamente. Os vitrais da mesma altura, realizados em Madrid por Cuadrado, são disso um bom exemplo. Vemos um José ensinando a profissão de carpinteiro a Jesus, ou antigos sacerdotes de Válega…
Visitar a Igreja de Válega mobiliza tantos os sentidos, a começar pela vista, que o espírito. A figura de Maria é aqui central, dizendo talvez muito às gentes da aldeia, tão marcada que foi pela emigração e os pedidos de proteção divina…