Músicos portugueses
Músicos portugueses

Os Descobrimentos e a música portuguesa

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A música portuguesa de hoje é oriunda de um povo que, o primeiro, esteve em contacto com sons do mundo inteiro. Apesar deste facto, as influências estrangeiras são afinal pouco numerosas, tendo em conta o que foi o Império português do século XVI...

Uma música dos viajantes

O território a que hoje chamamos Portugal construiu-se ao longo de séculos, integrando etnias, convivendo com outras culturas. Esta convivência e intercâmbio culturais eram realidades da Renascença, mas sempre com uma espada de Dâmocles religiosa por cima deste frágil equilíbrio.

A Expansão Portuguesa veio confirmar a abertura de Portugal aos outros povos, mas também o reflexo protecionista religioso que daí adveio. A música, que tende a transcender as diferenças, foi, e ainda é, um revelador da permeabilidade ou da resistência de uma cultura às influências externas, com a sua ambivalência profana e religiosa.

Bandolim
A tocar bandolim… (Palácio do Buçaco)

Os Portugueses da Renascença, ao encontrar povos diferentes, encontraram obviamente músicas diferentes. A reação portuguesa face à toda esta diversidade é mitigada, tal como a sobrevivência destes intercâmbios. Deste novo universo musical, pouco ou nada chegou até aos nossos dias, mas as influências destes primeiros contactos fizeram-se sentir nas novas culturas que a Expansão Portuguesa criou. Mesmo sem ter deixado marcas audíveis e comprovadas na música portuguesa, a curiosidade despertada por estas novas maneiras de conceber e de tocar música foi grande, expressa nas crónicas de viagens renascentistas.

Os primórdios da música brasileira

Os primeiros contactos com culturas como as ameríndias do Brasil, sem estrutura social elaborada, foram de descoberta e curiosidade mútuas. Pero Vaz de Caminha indica-nos nos seus escritos sobre a “descoberta” do Brasil que aos sons europeus, os nativos respondiam com danças.

Pero Vaz de Caminha, lendo a sua carta a Pedro Alvares Cabral sobre a descoberta do Brasil

Música da Expansão Portuguesa, instrumento de diplomacia

Em povos mais estruturados, a música foi utilizada para agradar aos poderosos locais. Tal foi o caso com o rei do Congo, que se viu oferecer instrumentos musicais complexos europeus. Diplomacia sempre, na India ou no Extremo Oriente, apesar das evidentes incompreensões de parte a parte. Os Japoneses, habituados a outras estruturas musicais e outros sons, não apreciaram a música ocidental, tal como os Portugueses não apreciaram a música japonesa.

Portugueses no Japão, arte Nanban
Portugueses no Japão, arte Nanban

As trocas musicais ao longo da Renascença parecem ter sido de sentido único, num amplo projeto de “catequização musical”. A música, intimamente ligada à religião, devia ser uma das ferramentas principais da evangelização, do proselitismo católico. Neste contexto, os missionários só utilizavam a cultura local se pudesse servir de qualquer forma os seus propósitos.

O universo musical de Portugal continental era hermético às influências ultramarinas. Não se vislumbra influências extraeuropeias na música escrita portuguesa, seja ela religiosa ou profana. Se Portugal oferecia instrumentos aos poderosos estrangeiros, não encontrei ofertas de soberanos estrangeiros de instrumentos “exóticos” aos poderosos portugueses. Poderá quiçá apontar-se para vilancicos cantados em língua indígena, mas conservando estruturas musicais completamente europeias.

Uma religião asfixiante

De facto, a religião católica não deixava espaço em Portugal, e no espaço europeu, para influências externas. Á possível abertura para o que era estrangeiro seguiu o Concilio de Trento. A subsequente Contrarreforma, em luta com os que queriam fugir dos seus dogmas assim não o permitiu. A música erudita, feita por especialistas formados em escolas de música intimamente ligadas às celebrações religiosas, não foi influenciada ao que parece pela Expansão portuguesa.

Anjos que cantam e tocam música...
Anjos que cantam e tocam música…

Talvez por falta de interesse ou gosto, certamente por imposição clerical. Portugal foi um país conservador. As polifonias franco-flamengas, desenvolvidas a partir do século XV tinham a primazia na música litúrgica. Fora da esfera estritamente religiosa, os outros eventos musicais solenes também não foram impactados significativamente pela música que se fazia além-mar. Todo este hermetismo ao que não vinha da esfera religiosa também se pode explicar nos próprios músicos portugueses, eruditos vindos das escolas de música religiosa, que acabaram por substituir na corte os antigos trovadores.

Música do mundo

A influência destes “novos mundos” na cultura portuguesa deve-se procurar fora dos círculos eruditos da nobreza ou do clero. Deve-se procurar no seio da música profana, ouvida e tocada pelo povo. No Brasil, onde a pressão da religião foi menos forte, as influências africanas na música brasileira são nitidamente audíveis. O mesmo não se pode dizer em Portugal, apesar dos numerosos escravos que aqui viviam.

Lisboa, século XVI
Lisboa, século XVI, um lugar de encontro de várias civilizações

Uma vez mais, a Igreja, segundada pela Inquisição, proibiu aos negros de praticar as suas músicas de origens pagãs, tal como tinham proibido aos muçulmanos de praticarem a sua religião. Mouros que, ainda na corte de D. João II, viram os seus melhores músicos chamados para alegrar o casamento do filho do rei, prova da abertura que ainda vigorava na mentalidade portuguesa do século XVI. A reação da Igreja, em luta contra esta diversidade julgada nefasta para a prática da religião, veio cobrir com uma chapa de chumbo toda a pluralidade cultural e musical do país. Se hoje existe alguma sobrevivência das influências extraeuropeias na música portuguesa, talvez seja do lado da música popular portuguesa por excelência que se deve procurar.

O Fado, que nasceu nos lugares mais humildes de Lisboa, têm origens talvez nos marinheiros da cidade.

Bibliografia

  • A raiz comum do fado e da morna. [Registo vídeo] Lisboa: RTP Africa, 2007. Disponível na Internet: https://ensina.rtp.pt/artigo/raiz-comum-fado-morna/
  • BRITO, Manuel Carlos de; CYMBRON, Luísa – História da Música Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1994.
  • BRITO, Manuel Carlos de – A música na expansão portuguesa. Revista de Cultura edição do Instituto Cultural de Macau. [em linha] N.º 26 (II série) 1989. [consultado em 11/11/2020] Disponível na Internet: http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/30026/1844

Conversa

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