Praça do Comércio e estátua equestre de D. José I, Lisboa
Praça do Comércio e estátua equestre de D. José I, Lisboa

Barroco contra Neoclassicismo, estilos antagónicos em Portugal

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A transição do século XVIII para o século XIX foi um período de profundas mudanças. O triunfo das ideias iluministas e o advento da burguesia, conseguidos pelas diferentes Revoluções Liberais europeias, refletiu-se em Portugal.

Este contexto de transformação não podia deixar de influenciar a Arte em Portugal, país de contrastes, dividido entre os progressistas liberais, burgueses, e os conservadores tradicionalistas, aristocratas.

O Pombalismo, precursor das ideias neoclássicas

A entrada nos ideais do Iluminismo e com ele ao racionalismo fez-se, porém, de forma ambivalente. A longa tradição de pragmatismo arquitetural português, presente no estilo chão exportado por todo o Império, aliou-se à necessidade premente de reconstruir Lisboa após o sismo de 1755. Os projetos de reconstrução iriam corresponder à ideologia burguesa, racionalista e pragmática, levados a cabo pelo Marquês de Pombal, em rutura com o passado recente aristocrático.

Primeiro pelas mãos dos arquitetos militares Manuel da Maia e Eugénio dos Santos, refez-se a baixa lisboeta, agora denominada de “pombalina”. O Pombalismo, ainda pragmático e pautado pela urgência da reconstrução, abriu desta forma o caminho para o neoclassicismo em Portugal, quando também se começou a pensar em termos artísticos.

Teatro Nacional de São Carlos
Teatro Nacional de São Carlos

A obra emblemática desta reconstrução, só possível pela vontade de grandes negociantes lisboetas, é o Teatro de São Carlos. Inaugurado em 1792, é fruto do arquiteto José da Costa e Silva. O arquiteto trouxe da sua formação italiana as ideias neoclássicas que iriam impor-se por toda a Europa na primeira metade do século XIX, em clara oposição aos “excessos” do Barroco e Rococó, associados ao Antigo Regime.

O Barroco reacionário

Quando o “déspota esclarecido” Pombal foi demitido, o país, sob a égide de D. Maria, deu o seu “canto do cisne” ao estilo barroco, personalizado pela basílica da Estrela em Lisboa, obra de arquitetos herdeiros do Palácio de Mafra, como Mateus Vicente de Oliveira. A rainha, desejosa de cortar com o passado pombalino, também o fez nas Artes e Arquitetura, num confronto reacionário da aristocracia tradicionalista que representava com a burguesia progressista e iluminista.

Basílica da Estrela
Basílica da Estrela

A basílica, consagrada em 1794 e expressão do barroco tardio em Portugal, veio fora de tempo, quando na restante Europa já se tinha francamente adotado o neoclassicismo.

O Porto, baluarte do neoclassicismo português… à inglesa

O início do século XIX foi desta forma marcado por dois movimentos contraditórios, que iriam, em termos políticos, culminar com a Revolução Liberal do Porto de 1820 e a Guerra Civil. No Porto, a transição do barroco de Nicolau Nasoni para o neoclassicismo foi mais consensual do que em Lisboa, facilitada pela distância para com a corte real.

A cidade do Norte, influenciada pela colónia inglesa que lá se tinha estabelecido para negócios, adotou facilmente os novos códigos estilísticos. O Hospital de Santo António, projetado pelo inglês John Carr ou a Feitoria Inglesa desenhada por um notável inglês da cidade, John Whitehead, iriam influenciar a arquitetura portuense.

Hospital de Santo António
Hospital de Santo António

Poucos pintores e escultores neoclássicos

No século XVIII, a pintura nunca chegou a ser verdadeiramente neoclássica em Portugal, por falta de artistas de renome nacionais. Continuou-se a pintar com qualidade mediana até aos finais do século XVIII, e em estilo barroco. As encomendas para a basílica da Estrela a pintores estrangeiros como Pompeo Batoni permitiram introduzir, se bem que timidamente, obras neoclássicas em Portugal. Porém, no primeiro terço do século XIX, surgiram nomes que anunciariam o Romantismo vigente no período seguinte.

Vieira Portuense, formado em Roma e Londres, vai trazer da capital britânica um estilo neoclássico, já matizado com temáticas pré-românticas, bem patentes na sua tela “Júpiter e Leda”. Domingos Sequeira, que acompanhou os tormentos políticos do seu tempo, foi talvez o pintor mais original, afastando-se dos academismos para encontrar uma via mais pessoal, preparando o terreno para o Romantismo que lhe sucederia.

Júpiter e Leda, Vieira Portuense
Júpiter e Leda, Vieira Portuense

Machado de Castro foi um dos mais importantes escultores deste período de transição. Instruído na escola barroca que foi o Palácio de Mafra, a sua estátua equestre de D. José na Praça do Comércio é o elemento mais visível da conciliação dos ideais liberais representados pela praça com a aristocracia e a figura do rei. Colaborou na estatuária do Palácio da Ajuda, residência real que mais personifica a transição de gosto.

Praça do Comércio e estátua equestre de D. José I, Lisboa
Praça do Comércio e estátua equestre de D. José I, Lisboa

A Ajuda, que tinha começada por ser a obra de Manuel Caetano de Sousa, viu este ser substituído por José Costa e Silva e Francisco Saverio Fabri, arquitetos mais “modernos”, mais ao gosto neoclássico. João José de Aguiar, que tinha assistido Machado de Castro na ajuda, realizou talvez a obra-prima da escultura neoclássica portuguesa, com a estátua de D. João VI.

Portugal, conservador até ao anacronismo

A Arte e Arquitetura em Portugal dos anos de transição entre o Antigo Regime e a monarquia constitucional acompanhou de perto os acontecimentos políticos e as sucessivas crises do país. Acompanhando o largo movimento europeu neoclássico, a Arte ainda conheceu anacronismos de estilo com os apontamentos ainda barrocos dos projetos apoiados pela aristocracia tradicional e absolutista. O estilo barroco acabou por não resistir nem à mudança de gosto dos artistas, nem ao triunfo das ideias Liberais e o advento do Romantismo.

Bibliografia

  • PEREIRA, Paulo – Arte portuguesa – História essencial. Lisboa: Círculo de Leitores, 2014.
  • França, José-Augusto – História da Arte em Portugal – O Pombalismo e o Romantismo. Lisboa, Editorial Presença, 2004.

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