Palácio do Buçaco
Palácio do Buçaco

Breve panorâmica das Artes Decorativas em Portugal

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O embelezamento dos interiores das casas portuguesas conheceu o seu auge no século XIX. Porém, as influências exteriores eram já criticadas, por abafarem o que se considerava como sendo a estética nacional.

Como frequentemente em Portugal, já naquela altura considerava-se o que vinha do estrangeiro sendo “melhor” do que as artes nacionais…Vamos ver o estado das Artes Decorativas em Portugal nas suas diferentes vertentes, como a gravura, a talha, o mobiliário ou a ourivesaria, antes do seu completo descalabro moderno da segunda metade do século XX, onde o funcionalismo e pragmatismo acabou por matar toda uma tradição secular da arte de embelezar os interiores…

Gravura

A gravura do século XIX acompanhou de perto a evolução dos gostos e da técnica. O gravador italiano radicado em Portugal Francesco Bartolozzi no início do século tinha um estatuto de exceção, pela sua qualidade ausente nos portugueses. Esta falta de qualidade devia-se, talvez, por culpa da instabilidade política e social que o país atravessava. Veio para Lisboa em 1802, aceitando um lugar de diretor na Academia Nacional onde deu aulas de gravura.

Gravura e auto-retrato de Francesco Bartolozzi
Gravura e auto-retrato de Francesco Bartolozzi

Quando o país estabilizou, novos vultos da gravura portuguesa surgiram, com a abertura da academia da Belas Artes e da cadeira de gravura. As duas técnicas oriundas da gravura, a litografia e a gravura de madeira a topo utilizadas nas revistas nacionais permitiram em Portugal a criação de uma escola de gravadores de “alto gabarito”.

Gravura do início do século XIX. A qualidade ainda é muito incipiente.
Gravura do início do século XIX. A qualidade ainda é muito incipiente.

Talha

A talha teve um imenso sucesso em Portugal, já de séculos anteriores. Ela também vai evoluir nas suas escolhas estilísticas a par do seu tempo. As influências neoclássicas nos princípios do século XIX, o Romantismo que seguiu e as outras correntes historicistas vão assim também denotar-se na talha. Uma vez mais, será um Italiano a assinar algumas das principais obras neoclássicas, o arquiteto e cenógrafo Luigi Chiari. Mas desta vez, ele não estava só, alguns artistas nacionais podendo rivalizar com a sabedoria italiana. Moreira da Silva, entre outros, também esteve muito ativo.

Orgão da Igreja dos Clérigos, Porto, finais do século XVIII.
Orgão da Igreja dos Clérigos, Porto, finais do século XVIII.

Mobiliário

O mobiliário seguiu cada vez mais de perto as tendências da arquitetura, o neoclassicismo nascente convivendo com o final do barroco. Sucede assim aos excessos do barroco um neoclassicismo mais racional. Com o romantismo aparecem pinturas de género na decoração de móveis e nas paredes interiores das casas.

Palácio do Buçaco
Salão Nobre do Palácio do Buçaco

Com o historicismo, uma profusão de revivalismos de estilos do passado irrompe pelo século XIX. Leandro Braga foi um dos artistas mais em destaque a partir de 1865, quando abriu oficina. Foi discípulo do escultor francês Célestin-Anatole Calmels, que oficiou em Portugal. Uma vez mais, sente-se a influência estrangeira em Portugal. A abertura de duas escolas em Coimbra, a Escola Livre da Artes do Desenho e a Escola Industrial Brotero viria a desenvolver artistas nacionais de prestígio no trabalho da madeira. A nova geração de artistas portugueses vai deixar a sua marca nos diferentes palacetes que se construíram durante a época romântica, como a Quinta da Regaleira ou o Palace-Hotel do Buçaco, tanto em obras de madeira ou de pedra. No princípio do século XX o ferro começa a ser um material escolhido no mobiliário português, símbolo da industrialização, já há muito valorizado nas grades e nos portais noutros países.

Câmara Municipal de Lisboa, frontão de Calmels

Ourivesaria

A ourivesaria evoluiu, com grandes alterações nas formas e decorações das peças, seguindo uma vez mais a evolução dos gostos. Às curvas barrocas sucederam as linhas retas do neoclassicismo. Pela sucessão de grandes nomes da ourivesaria, trata-se de uma Arte Decorativa nacional pelos seus executantes, mas influenciada pelo estrangeiro nos seus temas, numa cultura comum à Europa. Com o decorrer do século, a ourivesaria portuguesa apresentou temas cada vez mais nacionalistas, confirmados nos princípios do século XX. Este facto nota-se em prateiros rendidos ao neomanuelino, mas também com o relançamento da filigrana, ourivesaria tradicional da região do Porto.

Filigrana portuguesa
Filigrana portuguesa

Azulejaria

A maior manifestação da habilidade e do gosto nacionais manifesta-se talvez na azulejaria. Evoluindo nas suas temáticas de mãos dadas com as outras Artes, a azulejaria revestiu formas originais na Europa quando se trouxe do Brasil o gosto pela aplicação de azulejos no exterior dos edifícios. As peças decorativas em cerâmica só começaram verdadeiramente a ganhar destaque artístico em Portugal na segunda metade do século XIX, com Rafael Bordalo Pinheiro a destacar-se nas Caldas da Rainha.

Palácio do Buçaco
Palácio do Buçaco

O artesanato tipicamente nacional conhece, nos finais do século XIX, uma revivência presente nos tapetes de Arraiolos ou as rendas de bilros.De facto, apesar de existir em finais do século XIX uma reação nacionalista, não se estava a divergir muito do que sucedia noutros países, talvez com a exceção notável da azulejaria… O neomanuelino foi assim a resposta portuguesa tardia ao neomudéjar espanhol ou ao neogótico francês e inglês…

No século XXI, parece-me que nunca as Artes Decorativas tipicamente nacionais estiveram tanto em perigo. Vítimas do desaparecimento do saber-fazer nacional, por falta de clientes, particulares, sim, mas sobretudo institucionais. Quem mais pensa em recorrer aos mestres da azulejaria ou do mobiliário para ornamentar uma escola? Uma questão de poupança, talvez, mas a falta de beleza também tem custos.


Conversa

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